O objetivo do blog é divulgar os dispositivos alternativos na rede de Saúde Mental e propagar a ideia da luta antimanicomial. A partir da democratização da psiquiatria, os profissionais de saúde mental visam trabalhar de forma interdisciplinar no âmbito do novo contexto da psiquiatria renovada.

quarta-feira, 3 de março de 2010

A oficina de salão de beleza

Essa oficina consiste na apropriação de um "salão de beleza" montado dentro da instituição, na enfermaria feminina, com material de doações. Nela, os estagiários realizam o cuidado da aparência das pacientes: fazem suas unhas, lavam e penteiam seu cabelo, etc. Em geral, as pacientes gostam desse universo feminino e identificam-se com ele, com batons, esmaltes, espelhos, escovas e secadores de cabelo, maquiagem...

A atividade do salão de beleza faz com que o coordenador tenha uma função próxima à de cuidador, já que deve estar aberto ao contato corporal com a paciente. Tem um sentido estético, de higienização, de convívio, de fazer borda na corporalidade do psicótico, tão maltratada na psicose. Tanto pode ser um momento de prazer e bem-estar com o corpo quanto suscitar angústia e dificultar o manejo com a paciente. A concretude do corpo, sua deflagração de realidade, sua marca inscrita no simbólico não se constituem na psicose. O sujeito objetifica seu corpo, que, para ele, passa a ser lugar de inscrição do desejo do outro, nesse imperativo de gozo próprio da psicose.

Nessa deficiência, imprecisão de limite entre o próprio corpo e o corpo do outro, através da oficina, a paciente pode experimentar a sensação corporal como um elemento constitutivo de sua imagem corporal, identificadora, que limita, contém, contorna, separa. No lugar de serem cuidadas, as pacientes passam a se cuidar e a cuidar umas das outras, estimuladas pelo ambiente do salão de beleza. 

Não devemos, enquanto oficineiros, lidar com a "corporalidade" do psicótico desavisadamente. A atenção e o conhecimento da psicose são indispensáveis. À medida que trabalhamos com psicóticos, vemos que a loucura não é só sofrimento: é uma solução, um modo de existência próprio, que faz suplência ao insuportável. Por isso, a relação afetiva que o psicótico estabelece com o outro é desestabilizada, imprevisível, despolarizada, apaixonada. Assim, ao mesmo tempo em que se mostra dotado de uma afeição quase pueril, pode fazer-se hostil. Ao passo que nos despimos de nossos preconceitos, que, com a experiência, desmitificamos a psicose, vamos aperfeiçoando a forma de manejo com esses pacientes. È justamente aqui que se situa o incompreendido, o intratável da psicose, é no ponto em que o enigma se faz na falta de sentido, que a nossa lógica não alcança. Fica-nos claro que é o medo inconsciente da nossa própria "loucura" que nos ameaça. 

Aprendemos, com a loucura alheia, a precariedade de nossos pensamentos, a transitoriedade de nossas percepções e identidades, a intensidade como experiência e a vivência de ruína.

Mais que respostas, essa experiência suscita várias perguntas: como legitimarmos a experiência das oficinas para que realmente se constituam em espaço de cidadania para os sujeitos? Qual a postura ética do coordenador das oficinas? 

Fonte:  As oficinas na saúde mental: relato de uma experiência na internação - Teresa Cristina Paulino de Mendonça (PUC-MG)

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