Na tentativa de criar algumas estratégias de superação dos manicômios, a legislação brasileira instituiu serviços substitutivos, que devem ser inseridos na rede de saúde mental de cada município. Entre esses serviços, estão ações de Saúde Mental na atenção básica, leitos em hospitais gerais, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), residências terapêuticas e centros de cooperativa e convivência.
A residência terapêutica é uma moradia para ex-internos de hospitais psiquiátricos que não possuem mais vínculos familiares, ou para as quais esses vínculos são insuportáveis, e, por isso, não teriam onde morar. Segundo a psicóloga Cristiane Knijnik (CRP 05/39275), que trabalha com essas residências no município de Paracambi, não há um modelo padronizado, pois, em cada caso, uma nova forma pode ser criada. “As residências terapêuticas são inexplicáveis e é por isso que elas são bacanas. Elas são para isso mesmo, para inventarmos sempre uma nova maneira de morar”.
Segundo a legislação, nas residências terapêuticas podem viver, no máximo, oito ex-internos. Essas moradias são mantidas pela prefeitura do município com a verba anteriormente destinada ao leito no hospital, além de receberem incentivos do Ministério da Saúde para sua implantação.
Os usuários de saúde mental residentes nesses espaços são acompanhados por cuidadores, que os ajudam a restabelecer seus vínculos sociais. “Cada cidade do Brasil tem suas especificidades, mas, em Paracambi, temos cuidadores que são pessoas da comunidade e que ajudam esses moradores a cuidarem de uma casa. Por exemplo, há uma história de uma senhora que viveu só no campo antes de ser internada no hospital. Por isso, ela não conhece o dinheiro. Então, ela precisava de um reconhecimento mínimo das notas para poder sair e tivemos que mostrar a ela”, diz Cristiane.
Outro serviço substitutivo aos manicômios são os CAPS, espaços em que pessoas em sofrimento psíquico são acolhidas e cuidadas, a partir de uma equipe multiprofissional. Alguns dos princípios fundamentais se concretizam em ações dirigidas aos familiares,
no comprometimento com a construção de projetos de inserção social, através do trabalho,
lazer e exercício dos direitos civis, e no fortalecimento dos laços comunitários.
Os CAPS são classificados em I, II ou III, definidos por ordem crescente de porte, complexidade e abrangência populacional. Essas instituições possuem ainda duas variações de acordo com a demanda dos usuários: os CAPS-ad atendem dependentes de álcool e outras drogas e os CAPSi são destinados a crianças e adolescentes.
No entanto, não basta haver a legislação para que a Reforma Psiquiátrica seja implementada. Os profissionais que atuam na área chamam a atenção para a necessidade de comprometimento dos gestores e trabalhadores de Saúde Mental para que esses serviços representem, de fato, uma mudança. “As prefeituras constroem esses processos, mas, muitas
vezes, não conseguem compreender a lógica desses serviços e os transformam em mini-manicômios. Então , verifica-se que há dificuldade para a implementação de políticas públicas emancipatórias. Estas dificuldades são históricas, porque é um tema sempre ligado ao processo de produção de uma cultura da exclusão”, coloca Patrícia Dorneles.
Nesse contexto, torna-se central o trabalho multiprofissional, a conscientização desses profissionais e uma formação que aponte para a importância da Reforma. “É importante entender que política pública não se faz só com os recursos e implementação das estruturas. Ela também deve ser feita com o compromisso ético dos profissionais que se inserem nela através dos concursos públicos. O que falta também é compreensão e formação dos técnicos para atuarem nos serviços substitutivos para implementar, de fato, a Reforma Psiquiátrica na sua região”, afirma Patrícia.
Por outro lado, é importante que haja uma maior valorização, pelo poder público, do trabalho em Saúde Mental. Lula Wanderley aponta para uma precarização desse trabalho. “Hoje, a Saúde Mental nas grandes cidades brasileiras é desorganizada. Não temos, por exemplo, um plano para a Saúde Mental do Rio de Janeiro. A desorganização do Sistema de Saúde do Rio começa com os baixíssimos salários que fazem com que a equipe de um CAPS não dure mais que dois ou três anos. Sem uma equipe estável e duradoura, é impossível acolher e suportar o sofrimento, ponto de partida para a construção de uma clínica capaz de perceber os fatos e construir as metas”, diz.
Por fim, além dos gestores e profissionais, é importante destacar a participação dos próprios usuários na Reforma Psiquiátrica. Essas pessoas que viveram anos em hospitais psiquiátricos possuem uma rica experiência e podem compartilhar sua vivência para a construção de novos modelos de atendimento.
Cristiane Knijnik levanta como exemplo a demanda desses usuários por mais espaço para exercício de sua liberdade. “Houve uma pesquisa com usuários em uma cidade do Sul e a resposta deles foi: ‘Isso (a desinstitucionalização) é bom porque, quando eu quero comer, eu como, quando eu quero dormir, eu durmo, quando eu quero sair, eu saio’. Então, a questão central para eles é a liberdade. Eu sempre escuto isso deles: o que muda é poder, em alguma medida, cuidar da sua própria vida, e não delegar a outro que cuide dela”.
Fonte: Jornal do CRP/RJ
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