O objetivo do blog é divulgar os dispositivos alternativos na rede de Saúde Mental e propagar a ideia da luta antimanicomial. A partir da democratização da psiquiatria, os profissionais de saúde mental visam trabalhar de forma interdisciplinar no âmbito do novo contexto da psiquiatria renovada.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ah, eu tô maluco! O Hospital Psiquiátrico de Jurujuba não sairá do meu coração

Algumas histórias que já ouvimos sobre manicômios, psiquiatria, loucura caem no senso comum e muitas vezes reproduzimos coisas sem sabermos o seu real significado. Por exemplo, quem nunca brincou chamando a atenção de alguém: Fulano, você ta maluco? Ih! Vou te levar para o Jurujuba! Sicrano ta pinel! Eu vou te internar, heim? Pois é... são coisas que dizemos no nosso dia a dia sem jamais probletizarmos o que representou a exclusão total do louco em longas internações psiquiátricas.

Minha experiência singular enquanto estagiaria no Hospital psiquiátrico de Jurujuba em Niterói foi o que de melhor aconteceu em minha formação, pois lá aprendi ser uma pessoa impulsionada para a” prática”, ou seja, o trabalho em equipe, meu olhar suas sobre a ‘questão social’ e suas múltiplas demandas, a maneira que com que fui aprendendo lidar com aqueles sujeitos a partir das suas próprias histórias de vida fez-me ter outro olhar sobre a loucura e desconstruir todo aquele imaginário equivocado do perigo, da incapacidade de o sujeito realizar trocas sociais

Foi no ano de 2010 (último período de estágio) já advinda de um momento anterior na saúde mental que cheguei a um dos setores que ainda acolhem pessoas em lona permanência institucional o chamado “Albergue” localizado no hospital de Jurujuba.

Quando cheguei ao hospital lia muito sobre como foi criado esse espaço e o que ele representava nos dias de hoje no atual contexto da reforma psiquiátrica e no tão falado processo de desinstitucionalização. Quando pegava os textos, os livros e tal sobre o espaço sempre havia a seguinte marca: ’’Albergue, uma casa de passagem’’. Eu pediria agora licença a toda equipe do Hospital para com muito orgulho dizer: “Albergue, minha casa de passagem”. Uma casa de passagem porque é neste espaço que os moradores encontram nova maneira de reinvenção de vida, pois depois de muito trabalho eles vão para uma residência terapêutica, para o condomínio do PAC ou até mesmo voltam para casa. Minha casa de passagem porque fui tomada por uma vontade imensa de trabalhar motivada pela maneira qual essa instituição faz um bom trabalho discutindo caso a caso, um projeto para cada um morador desde que os portões do antigo manicômio foram abertos.

Quando cheguei ao Albergue, espaço já criado há 20 anos, inseri-me na equipe e mini-equipes e semanalmente nos reuníamos para discutirmos os projetos terapêuticos, as intercorrências, nossos erros e acertos, os Caps, etc. Os investimentos dos profissionais no trabalho foi uma das coisas que mais me chamou a atenção. Às vezes quietinha sentada refletia: “gente, aqui é um lugar em não há possibilidade mais de se reproduzir a cultura manicomial” Ainda que isso não seja unânime, que alguns profissionais mais antigos não entendam isso, mas no geral, nessa instituição já há cultura e uma prática voltada para a autonomia, de respeito e de investimento muito grande nos aspectos que envolvem a cidadania do sujeito.

Enquanto estagiária de Serviço Social não me senti constrangida porque sabia que não poderia dar conta dos delírios e das produções alucinatórias dos moradores do Albergue e nem me aproximei da figura de uma “terapeuta” como muita pessoas da categoria por preconceito pensam quando nos inserimos na saúde mental. Mas, sobretudo, acolher demandas da área social que vai fazer muita diferença no que diz respeito à própria autonomia do louco. E disso não posso reclamar. A equipe do albergue me deixou trabalhar, propor, investir e até mesmo errar, errar para poder aprender. Em nenhum momento da minha vida profissional pude fazer tanta coisa, escutar tanto as pessoas e me aproximar da realidade social respeitando a situação psíquica daqueles moradores. Não senti essa angústia que estudantes de serviço social, às vezes, sentem quando o trabalho foge de uma rotina, da triagem, viabilização de benefícios ou de uma burocracia e ficam perdidos não sabendo o que fazer. Aproveitava o espaço de convivência para escutá-los e percebia que eu me identificava com algum dos seus muitos dramas vividos do passado. Gente, essas pessoas tem histórias de vida como a gente. Vivem há muitos anos com a experiência da psicose, mas são sujeitos com nós somos.

No Albergue , pude acompanhar alguns casos muito de perto pois lá além propor atividades participava delas bem como eu estava sempre por perto na viabilização de algum benefício, ia à comunidade do Preventório e etc. Conforme a coordenadora do Albergue sempre dizia: “se você quiser ter uma boa passagem por aqui, aqui é uma equipe voltada para o trabalho”. Foi com ela que aprendi também a estranhar tudo a minha volta e não deixar o trabalho cair na rotina e achar tudo normal. Cada fala, cada gesto, podia ser objeto de escuta também e, assim dividia com a equipe nas reuniões. E é assim que o trabalho andava, nas propostas, nas discussões, no desejo ardente de as coisas funcionassem, ainda que ainda não tenha chegado o ideal. Há projeto terapêutico de desinstitucionalização para cada morador, portanto, há trabalho para todo conjunto da equipe interdisciplinar do Albergue e nisso posso relatar que pude colaborar com o melhor do meu saber ainda que eu estivesse em formação.

Essa experiência impar como estudante no Albergue me rendeu o tema da minha monografia; o tema do meu futuro mestrado, o privilégio de acompanhar um caso de saída de um sujeito de longa permanência institucional até sua saída para os aptos PAC. Aí poderia relatar desde começo em investir em propostas de atividades foras do hospital, passeios, idas a comunidade, barbearia até por fim, acompanhar a compra da sua cama junto à sua nova cuidadoras, para a saída definitiva do hospital; aprendi muito com a liderança do Albergue, o que é de fato encarar os desafios de um longo trabalho na instituição e por fim, e mais importante: tive a alegria inenarrável de trabalhar com sujeitos moradores que me ensinaram muito além da minha formação.

Em suma, percebi desde que entrei em período de estágio que fui à única pessoa da turma que me estagiei com moradores de longa permanência institucional e alguns às vezes comentavam: Você deveria vir para o Caps.! É uma ótima experiência para conhecer a psiquiatria renovada! Eu respondia brincando: Vocês também poderiam vi cá, é uma ótima experiência para se desconstruir o que antiga psiquiatria antiga desinvestiu.

Hoje, sou Assistente Social, orgulhosa de feito um bom trabalho junto àquela equipe tão investida com trabalho de desinstitucionalização no Albergue. Obrigada, Adriana, Maria Paula, Ana Paula, Sérgio Bezz, Maritelma e todos os demais da equipe do Hospital de Jurujuba.

“Por uma Sociedade sem Manicômios”.

5 comentários:

  1. Parabéns!!!!
    Gostei muito do seu relato, chegou a trabalhar no estágio com AT???
    Abraço
    Tátia Rangel

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    1. olá! As portas foram abertas nesse sentido, mas antes precisava de um tempo para dar conta de tantas outras prioridades da vida e saí. Há outro relato meu nesse blog que conto passo a passo da minha passagem na saúde mental. Se teve uma estágiaria que soube aproveitar o melhor estágio fui eu. Saí de lá muito diferente , madura e disposta a aprender mais e mais. Aquela equipe é tudo de bom. Marcelle ( autora deste blog)

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    2. Marcelle. Deus acima de tudo..

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  2. Adorei o seu relato!!!Estou precisando de sua ajuda,se puder me dar um conselho...estou precisando de um atendimento para uma pessoa no hospital de jurujuba e nao sei como proceder,esta pessoa tem 25 anos e necessita de acompanhamento para seu desenvolvimento esta sem familia por perto...poderia me dar alguma dica?vou la diretamente,tem algum grupo de apoio que conheca?estou sem saber o que fazer para ajudar...desde ja agradeco!!!!

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