O objetivo do blog é divulgar os dispositivos alternativos na rede de Saúde Mental e propagar a ideia da luta antimanicomial. A partir da democratização da psiquiatria, os profissionais de saúde mental visam trabalhar de forma interdisciplinar no âmbito do novo contexto da psiquiatria renovada.

sábado, 16 de abril de 2011

Desinstitucionalização no contexto neoliberal brasileiro

No final da década de 70, entra em crise mundial o modelo capitalista denominado de “Welfare State”. Suas principais características eram: o Estado protetor e indutor do crescimento econômico e, ao mesmo tempo, promotor do bem estar social. Também, era função do Estado a manutenção e o estímulo à criação de uma política de pleno emprego. É claro que havia diferenças entre os países que adotaram o Welfare State.

Com a crise deste modelo de desenvolvimento econômico ocorre um avanço do ideário neoliberal pelo mundo, baseado no fim do intervencionismo estatal na esfera econômica e social. Para o ideário neoliberal este intervencionismo estimulou a crise fiscal do estado. A proposta agora é a reconstituição do papel do mercado que deveria ser mais competivito e globalizado. No campo das políticas públicas, o Estado deverá estimular a redução dos serviços sociais públicos transferindo os serviços mais rentáveis ao mercado privado. Portanto, o neoliberalismo contribui para o crescimento da desigualde social e da exclusão em todos os países nos quais se instala, preservando as devidas proporções.

No contexto brasileiro, o primeiro presidente a adotar publicamente o neoliberalismo foi Collor de Mello em 1990. Suas principais ações foram: estimular a privatização, desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, enfraquecimento dos sindicatos, aumento da seletividade nos programas de enfrentamento à pobreza, acarretando assim o aumento da exclusão, da desigualdade social e da violência social. Todas estas medidas têm sido adotadas pelos demais Presidentes da República que o sucederam ao longo dos anos.

Somado ao neoliberalismo, não podemos nos esquecer que a globalização da economia foi acelerada pelo desenvolvimento das tecnologias de informática; o que contribuiu, de modo significativo, para a sua transnacionalização conforme nos aponta Borón:

“O surgimento de um pequeno conglomerado de gigantescas empresas transnacionais, os “novos leviatãs”, cuja escala planetária e gravitação social os torna atores políticos de primeiríssima ordem, quase impossíveis de controlar e causadores de um desequilíbrio dificilmente reparável no âmbito das instituições e das práticas democráticas das sociedades capitalistas” (Borón, 2000, p 07-08).

É claro que todos os segmentos sociais da população brasileira têm sofrido com a adoção do neoliberalismo e com o processo de globalização da economia. Contudo, neste contexto, as classes mais vulneráveis são: as pessoas pauperizadas, os idosos, crianças/adolescentes e pessoas portadoras de doenças graves ou psíquicas. Borón (2000), ainda alerta para a dificuldade que será sustentar regimes democráticos em sociedade tão desiguais e injustas já que o princípio norteador da democracia se baseia na igualdade de oportunidade para todos, ou melhor, num governo para todos. Parece oportuno, apontar para o significado da palavra democracia para demonstrar o quanto ele se torna inapropriado dentro da lógica do capital financeiro globalizado. Segundo o dicionário on-line da língua portuguesa, democracia é definida como:

“sistema político fundamentado no princípio de que a autoridade emana do povo (conjunto de cidadãos) e é exercida por ele ao investir o poder soberano através de eleições periódicas livres, e no princípio da distribuição eqüitativa do poder; sociedade que garante a liberdade de associação e de expressão e na qual não existem distinções ou privilégios de classe hereditários ou arbitrários” (www.ditcom.com.br/dicionário.htm).

Conforme dados do Ministério da Saúde, é palpável a magnitude epidemiológica dos transtornos mentais, cuja prevalência em cidades brasileiras oscila de 20% a 50%. Mundialmente, das dez doenças incapacitantes e que maior sobrecarga causam na vida das pessoas, 05 são de natureza psiquiátrica (BRASIL,1999).

Joel Birman (1988), na conferência “Abordagem Política dos Aspectos da Psiquiatria no Brasil” destacou a doença mental como motivo do maior número de mutilados socialmente no Brasil. Isto não por ausência de políticas de saúde, mas, sim pela existência de políticas de exclusão em que, por excesso de jornada de trabalho, condições insalubres, baixos salários, péssimas condições de moradia e alimentação, e ausência de lazer, os trabalhadores chegam à loucura ou procuram-na como recurso para se “encostarem” no INPS e assim ajudar na manutenção econômica da família.

Mais uma vez, esses cidadãos brasileiros se tornam mais vulneráveis na medida em que as políticas de seguridade social brasileira passam a ser mais seletivas, fragmentadas e pontuais tanto no campo da assistência social como no campo da saúde. Já na esfera previdenciária muitos portadores de transtorno psíquicos não conseguem ter seus direitos

assegurados, pois integram o mercado informal de trabalho. Portanto, segundo a lógica previdenciária, uma vez que não contribuem ao INSS não podem recorrer ao mesmo em caso de doença ou qualquer outro tipo de eventualidade que lhe retire a capacidade para o trabalho.

Torna-se relevante destacar que no contexto das políticas sociais neoliberais, os portadores de transtorno mental têm sofrido com o vertiginoso desinvestimento nos programas sociais, o sucateamento dos serviços, a sobrecarga da jornada de trabalho dos trabalhadores em saúde e em saúde mental, e com a falta de recursos para implantação de serviços abertos e de oficinas terapêuticas.

Amarante (2003) alerta para o que ele denomina de “capsização do modelo assistencial” na medida em que a atual política nacional de saúde mental vem se reduzindo à implantação desse tipo de serviço. Assim, limitar a reforma psiquiátrica a isso não é suficiente para a superação do paradigma psiquiátrico, pois mesmo dentro dos CAP´s podem ocorrem práticas cronificadoras e segregadoras. Por conseguinte, se torna relevante a discussão sobre o processo de alta dos usuários de serviços abertos e a efetivação de políticas sociais que realmente colaborem para a plena inserção dos mesmos na sociedade.

Desta maneira a desinstitucionalização deve ser objetivada no sentido de desconstrução, ou seja, de superação de um modelo arcaico centrado na doença. A desinstitucionalização significa tratar o sujeito em sua existência e em relação com suas condições concretas de vida. O tratamento volta-se para a criação de possibilidades concretas de sociabilidade e subjetividade. Esta proposta passa pela criação de um novo projeto ético que busca introduzir na sociedade novos sujeitos de direitos e novos direitos para esses sujeitos.

Fonte: Um Jogo em Aberto: Cidadania dos Portadores de Transtorno Mental

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