Como a conjuntura social e política, nas últimas décadas, afetou no
desenvolvimento do campo da Reforma Psiquiátrica no Brasil? Esta foi a
principal questão explorada na mesa-redonda Análise das Políticas Públicas da Saúde Mental no Brasil e sua contribuição na Saúde Coletiva
no segundo dia (8/6) do III Congresso Brasileiro de Saúde Mental. Um
dos expositores desta atividade foi o pesquisador da ENSP/Fiocruz Paulo
Amarante, que destacou ser fundamental que a militância da saúde mental
volte suas forças para fazer críticas atualizadas ao pensamento
psiquiátrico e não fique apenas preocupada em abrir novos Centros de
Atenção Psicossocial pelo país.
O psiquiatra italiano
Ernesto Venturini foi o primeiro a se apresentar na mesa-redonda e
levantou o impasse do tratamento das drogas, em especial do crack, hoje
no Brasil. Para ele, há um movimento pela retomada do controle do
comportamento do usuário, voltado para uma estrutura psiquiátrica
fechada e indo contra as conquistas obtidas pela Reforma Psiquiátrica
Brasileira. “Precisamos desenvolver uma série de avaliações científicas e
críticas para comparar os custos diretos e indiretos dessas ações. O
papel familiar é fundamental nesta luta contra as drogas, e precisamos
também de pesquisas que possam mostrar o quanto este tipo de apoio
reflete no bom tratamento do usuário”, ressaltou.
Outro
ponto explorado pelo italiano com relação ao consumo de drogas é se a
dependência vem do poder da substância ou da intenção da pessoa em
querer consumi-la. Para Ernesto, é fundamental que os atores que
trabalham neste processo compreendam os diferentes fatores envolvidos
nesta questão, abranjendo o contexto social em que o usuário está
inserido. “O consumo de drogas é proporcional a uma sociedade que incita
o consumo de mercadorias desenfreadamente. A única diferença está na
maneira como o produto é usado”, encerrou.
Já o psicólogo e
professor da UFRJ, Eduardo Mourão Vasconcelos, mostrou que os problemas
enfrentados pelo movimento da saúde mental estão hoje intrinsecamente
ligados à crise econômica global que vivemos. Segundo sua exposição, o
fato de as decisões mundiais acontecerem diretamente nas esferas
financeiras, a crise ambiental afetar o ecossistema do planeta e o novo
padrão de desenvolvimento não sustentável dos países são os fatores para
que os países deixem de investir em políticas sociais, o que
consequentemente afeta a população.
“E é isso o que vem
ocorrendo no Brasil”, segundo Mourão. O SUS sofre com o sucateamento
das políticas sociais e com a precarização dos vínculos de trabalho,
afetando o campo da saúde mental. “A conjuntura que se abre por conta
das políticas neoliberais fez com que os avanços obtidos pela
psiquiatria nos últimos anos sofressem um baque, exigindo hoje maior
mobilização do movimento antimanicomial para dar respostas políticas de
peso contra tais ameaças”, afirmou.
Terceira a se
apresentar, a enfermeira e pesquisadora da Universidade de Feira de
Santana, Marluce Maria Araújo Assis, traçou um panorama histórico do
movimento da saúde no país desde os anos 1970, quando, em plena época da
ditadura, começou a se desenhar o conceito de que saúde é democracia e
democracia é saúde. Pontuando o que de mais importante aconteceu nos
anos 1980, 1990 e 2000 na saúde pública e na saúde mental pelo país,
Marluce ressaltou que o movimento social atuou ao longo desse período
entendendo a saúde como um processo de Estado e não de governo.
Entretanto, a pesquisadora lembrou que, apesar de um sistema sólido,
ainda há muito a ser feito, e o SUS enfrenta atualmente uma série de
dilemas, como a insuficiência de financiamento para atender às
necessidades brasileiras, a hospitalização da atenção como uma prática
dominante, além de um modelo de atenção fragmentado e de baixa
qualidade.
Encerrando essa mesa de debates, o presidente
da Abrasme e pesquisador da ENSP, Paulo Amarante, afirmou que os
debates neste III Congresso são para provocar uma reação na comunidade
da saúde mental. “Não queremos uma reforma psiquiátrica no sentido do
serviço apenas. Não é só fechar os hospitais e abrir Caps pelo país.
Temos que mudar a relação que a sociedade tem com as pessoas
consideradas com transtorno mental. Esse é o nosso desafio”, disse.
Segundo o pesquisador, o modelo de atenção psicossocial vigente é o de
que o doente não pode viver em sociedade. Se faz necessária uma reforma
para transformar este conceito. A adoção da política de abertura de Caps
1, 2 ou 3 pelo país burocratizou o atendimento ao usuário, deixando-o
centrado em modelo médico, que olha apenas para o seu diagnóstico, sem
se preocupar em transformar a relação com ele.
Amarante
lembrou ainda que há pouco investimento no país para o desenvolvimento
de novos pensamentos para o campo da saúde mental. “A Reforma
Psiquiátrica não é apenas uma reforma do serviço, e sim da nossa relação
com os sujeitos, descobrindo novos conceitos, atores e experiências
territoriais”, afirmou.
Fonte: ENSP
Marcelle... Sou AS, trabalho no CAPS II em Barra do Garças - MT, gostaria de idéias de oficinas que tenham dado certo em que você tenha conhecimento, para tentar ver se a minha realidade pode ser implementada.
ResponderExcluirGostaria que entrasse em contato comigo, evandroeloy@hotmail.com, se possível. Obrigado.