Arthur Bispo do Rosário perambulou numa delicada região entre a realidade e o delírio, a vida e a arte. Na tentativa de seguir passos e pistas, também eu (autora Luciana Hidalgo) peregrinei nessa estrada. E muitas vezes deixei-me perder no labirinto de bispo. O que dizer de um homem internado em um hospício do subúrbio carioca durante quase 50 anos, tido como louco que um dia seria celebrado como artista em exposições internacionais? A biografia de ator bispo do Rosário mistura fragmentos que ora se encaixam ora se estranham.
Colar pedaços desse mundo foi uma serie de achados e perdidos. Quis saber mais sobre Arthur Bispo do Rosário, o homem por trás do artista e do esquizofrênico-paranóico diagnosticado pela psiquiatria. Procurei o cidadão brasileiro, ex-marinheiro e pugilista, eleitor e trabalhador. Investiguei impressões digitais, registros policiais, documentos, prontuários médicos. Deparei com a boa vontade de fontes e esbarrei na memória fraca do país. Resultado: as pegadas de Bispo surgem e desaparecem numa seqüência de altos e baixos.
Internado na Colônia Juliana Moreira, em Jacarepaguá, de 1939 a 1989, entre idas e vindas, ele construiu um universo de miniaturas. A obra, inspirado por anjos e pela virgem Maria, seria apresentada ao Todo-Poderoso no dia do Juízo Final. Ele nunca quis ser um artista. A viagem estética de Arthur Bispo do Rosário era uma missão ditada por seres do além. Quando alguém perguntava sobre sua origem, Bispo desviava: era um enviado dos céus, um Cristo, o próprio. E arriscava:
- Um dia eu simplesmente apareci no mundo.
Respeitei a versão de Bispo, mas fui até Japaratuba, uma pequena e simpática cidade do Sergipe. No empoeirado livro de batistério da igreja local, acabei encontrando o registro do pequeno Arthur, batizado aos três meses, em 05 de outubro de 1909. Suspirei aliviada num primeiro momento, orgulhei-me da descoberta, para só então compreender o protagonista desta história. Arthur Bispo do Rosário um dia apareceu no mundo e compôs uma trajetória tão peculiar que dados biográficos por vezes esvaem-se entre verdades e fantasias. Ele viveu num mundo paralelo
O que os médicos classificariam como delírios místicos Bispo traduziria como designos da fé. Uma devoção que resultou em quase mil obras. Seu mundo particular, feito em parte da sucata do hospício, seria um dia catalogado como obra de arte. E Arthur Bispo do Rosário? Um artista plástico, que representaria o Brasil num dos maiores eventos internacionais de artes plásticas, a Bienal de Veneza, na Itália, em 1955. Nessa ocasião, estimou-se em R$ 318.000 o valor do seguro de 143 peças de Bispo. E centros como o Georges Pompidou, de Paris, e o Whitney Museum, de Nova York, solicitaram suas obras para exposições.
Diante de tão singular trajetória, recolhi-me à insignificância da jornalista diante do biografado e me permiti compor esta quase biografia de Arthur Bispo do Rosário. Conversei com as pessoas das famílias Leoni e Bonfim, que lhe deram guarida fora do manicômio. Ouvi a história de Rosângela Maria, a estagiária de psicologia que conseguiu atender Bispo nos anos 80 e por quem ele nutriu um carinho especial. Foi à única terapeuta que Bispo deixou entrar.
O foco está no cotidiano da Colônia Juliano Moureira, um baú de reminiscências psiquiátricas que servem como pano de fundo para o personagem principal. Bispo driblou eletrochoques, lobotomias e remédios, impõe-se como xerife do núcleo Ulisses Vianas e fez do asilo suas trincheiras. Orquestrou assemblagens, e estandartes e objetos no silêncio da clausura. Desfiou o próprio uniforme do hospício para seus bordados e escreveu sem descanso. Ele precisava das palavras escritas, por isso trechos do seu manuscrito abrem cada capítulo, com o devido respeito à grafia original.
A triste face da loucura encarcerada me tirou o sono de início. Até o dia em que alguém me disse: - Não se incomode, afinal, isso aqui é um hospício. – Mandei a lógica às favas e embarguei nos sonhos e pesadelos de uma instituição como essa. Confesso que até agora é difícil entender como Bispo foi capaz de erguer um império de formas e cores amarradas à rotina do asilo. Ele não coube nessa paisagem árida, deixando se perder e achar no labirinto que ele mesmo criou e no qual me aventurei para tentar encontrá-lo.
LUCIANA HIDALGO
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