Inserida em campo de estágio há um ano e meio trabalhando com usuários de longa permanência do Hospital Psiquiátrico em Jurujuba - Niterói - tenho refletido e pensado a respeito dos trabalhos, projetos terapêuticos e os novos rumos da desinstitucionalização no contexto da Reforma Psiquiátrica.
Fazendo um balanço desde o movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental na década de 70, no fortalecimento do MNLA (Movimento Nacional de Luta Antimanicomial) e, principalmente, o importante projeto de Lei em 2001, a Lei 10216, um marco no âmbito da Reforma Psiquiátrica, é inegável os avanços e as conquistas nesse sentido. Graças ao fortalecimento dos movimentos sociais e às próprias demandas dos trabalhadores da Saúde Mental por uma psiquiatria mais democrática e práticas menos segregadoras é que a atual configuração da Reforma Psiquiátrica se direciona para o encerramento dos leitos psiquiátricos e avanço na lógica da atenção e do cuidado no território.
Mas infelizmente ainda existe uma parcela ou uma pequena parcela, se é que poderíamos falar assim, morando em hospitais psiquiátricos. Seja porque não contam mais com suporte familiar (são os "esquecidos" no hospital à época do manicômio), seja porque não é possível viver com tais parentes ou porque não tem benefício social (suporte financeiro) até porque muitos deles não têm nenhum documento.
Diante disso ficam as perguntas intrigantes: Como trabalhar na lógica contrária dos manicômios em relação a esses moradores? Como construir uma nova realidade antimanicomial no cotidiano desses moradores mesmo estando eles ainda dependentes dos muros do hospital?
Nesse aspecto CAPS, equipe interdisciplinar, psiquiatra, o próprio hospital se unem para construir projetos terapêuticos singulares que visam a possível saída desses moradores para uma residência terapêutica ou, quem sabe, o retorno às famílias. Estive analisando vários prontuários com moradores do hospital, aonde me encontro atualmente estagiando, e constatei que existem projetos terapêuticos para cada um deles. Percebi que há esforço enorme da equipe em trabalhar esse morador para uma saída do dos muros da instituição.
É bastante progressista quando a gente vê na prática a forma de se lidar com o louco mesmo ele morando no hospital. Eles circulam pelo HPJ o tempo todo. As celas fortes já não existem mais. Há um respeito por parte dos funcionários, mesmo até aquele vigilante contratado que conversa e o chama pelo nome, talvez entendendo, de alguma forma, o trabalho que a equipe faz.
Em outro momento relatarei meu último ano de estágio no HPJ contando as histórias do meu diário de campo, é claro, sempre preservando a identidades desses sujeitos. Outro dia participei de uma festa junina justamente no quintal da Longa Permanência, em que todos que estavam no hospital foram convocados a participar. Equipe e usuários juntos dançando ao som do DJ em uma animada festa. Olhei aquele espetáculo e pensei: "Sou da geração que vi a psiquiatria renovada e inflama meu coração saber que no passado essa mistura de psicólogo, estagiários, médicos, diretores embalados no forró com usuários não seria possível". Não que não existam contradições, perspectivas e práticas segregadoras nos hospitais, em geral, mas de fato mudanças significativas no tratamento aos loucos ocorreram.
A principal crítica que se faz no novo contexto da Reforma Psiquiátrica não é está em si, mas no enxugamento das Políticas Sociais no Estado Neoliberal. Temos de estar atento ao rebatimento da questão social na saúde mental também. Como falar em reabilitação psicossocial em uma sociedade "desabilitadora"?
Como vamos caminhar em uma perspectiva de autonomia do portador de transtorno mental tentando assegurar-lhe igualdade conseguindo emprego, se o desemprego assola nossa sociedade? Habitação é um direito de cidadania e o que o Estado tem feito para as classes populares e aí, me refiro também aos loucos, no sentido de garanti-lhes o direito à habitação?
Os Serviços Residenciais Terapêuticos serão sempre insuficientes enquanto não se combater a questão central, a meu ver, nesse processo: A Questão Social. Aquele sujeito que deambula pelas ruas numa crise aguda pego pela ambulância e levado para o hospital, sem família, sem história, será um forte candidato à longa permanência hospitalar.
Não devemos deixar de considerar o sofrimento mental em si, a psicose grave que está ali e que precisa de uma intervenção médica. Da mesma maneira, o nosso olhar sobre sofrimento psíquico pode estar pautado numa visão mais "psi", ou seja, esse sujeito teve uma infância e uma criação conflituosa e pode ter desenvolvido uma esquizofrenia, independente de que classe social pertença. Mas jamais podemos deixar de considerar os problemas sociais como, também, constitutivos do sofrimento mental.
Por Marcelle Trindade (estudante da Escola de Serviço Social da UFRJ e autora desse blog)
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ResponderExcluirA MINHA MAIOR PREOCUPAÇÃO É A ACEITAÇÃO FAMILIAR, MUITOS, NÃO SÃO POUCOS, ESTÃO ABANDONADOS PELAS PRÓPRIAS FAMÍLIAS. AINDA TÊM AQUELAS FAMILIAS QUE DIZEM ASSISTIR O PORTADOR DE DEFICIÊNCIA, MAS SABE-SE QUE É APENAS NA TEORIA, O QUE REALMENTE ACONTECE É O DESCASO E A FALTA DE APOIO.
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