O objetivo do blog é divulgar os dispositivos alternativos na rede de Saúde Mental e propagar a ideia da luta antimanicomial. A partir da democratização da psiquiatria, os profissionais de saúde mental visam trabalhar de forma interdisciplinar no âmbito do novo contexto da psiquiatria renovada.

sexta-feira, 22 de março de 2013

A autonomia do sujeito psicótico no contexto da reforma psiquiátrica brasileira

A partir da década de 70, percebe-se no país alguns movimentos de crítica ao modelo hospitalocêntrico no que se refere à assistência psiquiátrica. A violência nos manicômios e a exclusão já eram pautas de discussões que reivindicavam os direitos do doente mental. Os principais questionamentos se relacionavam à natureza do modelo privatista e à sua incapacidade de produzir um atendimento que contemplasse as necessidades de seus usuários. Entretanto, ainda não havia um modelo de cuidado muito claro e nem uma proposta estruturada de intervenção clínica.

Foi só na década de 80 que o movimento pela reforma psiquiátrica, no Brasil ganhou importância, tanto política como social. Tal período, marcado pelo final da ditadura, abriu a possibilidade de mudanças no setor da saúde e permitiu a participação de outros setores, que não os médicos, nesse processo. Ganhou ênfase também uma série de críticas às noções de clínica e cidadania, ambas ancoradas em uma concepção universal de sujeito, em que a normalidade deveria ser reconstituída. Para Birman (1992), a construção de um novo espaço social para a loucura exigia que a noção de cidadania e a base do saber psiquiátrico fossem colocados em debate. Era preciso inventar novos locais, instrumentos técnicos e terapêuticos, como também novos modos sociais de estabelecer relações com esses sujeitos.

Nessa trajetória, a influência da psiquiatria democrática italiana, a partir de meados dos anos 80, ganhou força no país. Este movimento propunha o questionamento da suposta universalidade do racionalismo científico das psiquiatrias, desvelando sua pretensa neutralidade. Novos protagonistas, como usuários e familiares, aumentaram o coro de reivindicações por outras possibilidades de atenção, espaços e avanços técnicos. Corroboraram esta tendência, a implementação de experiências de hospitais-dia; a inserção do movimento psicanalítico em vários setores, a realização da 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental no Rio de Janeiro, em 1987, considerada um marco histórico na psiquiatria brasileira; a criação do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz Cerqueira, em São Paulo, no mesmo ano; a intervenção, em 1988, na Casa de Saúde Anchieta, em Santos e o Projeto de Lei do deputado federal Paulo Delgado.

Nos anos 90, assistimos a criação e consolidação de propostas como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), Lares Abrigados, etc., embora, desde os anos 80, algumas experiências já estivessem sendo desenvolvidas (Venancio, 1990) e apesar do fato dos hospitais psiquiátricos ainda absorverem a maior parte das verbas destinadas à assistência em psiquiatria (Alves, 1994). A esta década parece ter ficado o papel de, efetivamente, implementar novos dispositivos, sem perder o compromisso da reflexão e do fluxo constante de avaliações, sem os quais corre-se o risco de produzir novos enclausuramentos e novas hegemonias.

 Algumas Reflexões Sobre o Conceito de “Autonomia”
 
A palavra autonomia é originada do grego para designar a capacidade de um indivíduo de se autodeterminar, de se auto-realizar, de autos (si mesmo) e nomos (lei). No Dicionário encontramos: autonomia. sf 1. qualidade ou estado de autônomo, independente, livre. Autonomia. 1. faculdade de se governar por si mesmo. Autonomia significa então auto-construção, autogoverno. A discussão travada em torno deste conceito é recente e encontra-se em outras instâncias da sociedade como autonomia na escola, autonomia operária, autonomia institucional. Contudo, no campo da saúde mental o conceito parece recobrir-se de sentidos imprecisos. Como lidar com este tema quando se trata de sujeitos destituídos de todo e qualquer valor ao receber o atributo de doente mental? Outra pergunta que pode ser feita é se as instituições que utilizam novos dispositivos assistenciais, contrários àqueles do tradicional manicômio, propiciam a produção de autonomia para os usuários que se beneficiam do tratamento?

Parece que o ponto nodal está em definir o que pode ser entendido como autonomia para nós e para a clientela assistida. De acordo com Leal a produção de autonomia pode ser caracterizada em duas vias: Primeiro o abandono da expectativa de resolutividade e eficácia a partir da comparação com o nosso desempenho; e segundo a criação de outras possibilidades de vida a partir deste outro padrão de subjetivação (Leal, 1994:153). Outra questão diretamente interligada ao tema diz respeito à possibilidade de repensar o processo de cura em psiquiatria a partir da discussão de uma autonomia possível. Dessa forma, entra em cena também a polêmica entre autonomia e tutela. Segundo Delgado (1992), todo cuidado implica um grau de tutela, todo serviço de caráter protetivo, tem a função de tutela. Entretanto, as atuais modalidades assistenciais não visam mais a adequação a um padrão único de subjetividade, seu sentido sendo bastante diferente daquele instituído pela clínica clássica.

Pode-se observar que no Brasil, a tradição de pesquisa sobre a produção de autonomia é ainda muito recente, principalmente na área com a qual estamos lidando. Um dos impasses é como avaliar ou quais critérios eleger para que a realidade possa ser retratada sem que seja reduzida a padrões universalizantes e reducionistas. Observa-se atualmente, a realização de alguns estudos (Pitta, 1997) sobre o assunto pautado na definição e avaliação de critérios chamados pragmáticos e apragmáticos, como autonomia para higiene, alimentação, medicação, ir e vir, trabalho e relações sociais (família, amigos, grupos sociais). No entanto, quando se trata de uma clientela específica como é o caso dos sujeitos psicóticos, a adoção de tais critérios não nos parece suficiente.

Assim, uma concepção possível para autonomia seria pensá-la como o momento em que o sujeito passa a conviver com seus problemas de forma a requerer menos dispositivos assistenciais do próprio serviço. Assim, caberia à instituição funcionar como um espaço intermediário, um local de passagem, na medida em que possibilitaria aos usuários um aumento de seu poder contratual, emprestando-lhe, segundo Tykanori (1996), sua própria contratualidade. Importa menos, neste sentido, criar e impor critérios de autonomia para esta clientela, mas observar qual seria o lugar ocupado pela questão no interior de uma nova perspectiva de atenção à loucura, como a instituição a concebe e promove no cuidado de seus usuários.

 Fonte:  
Núbia Schaper SantosI, *; Patty Fidelis de AlmeidaII, **; Ana Teresa VenancioIII, ***; Pedro Gabriel DelgadoIII, ****
 I Universidade Federal de São Carlos
II Escola Nacional de Saúde Pública / Fundação Oswaldo Cruz
III Núcleo de Pesquisa do Instituto Franco Basaglia - RJ

quarta-feira, 20 de março de 2013

SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO: o olhar a partir do processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais



O presente estudo que tem por título “Serviço Residencial Terapêutico: o olhar a partir do processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais” aborda o movimento que se desencadeia, de forma especial, a partir da Reforma Psiquiátrica Brasileira, com foco no processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais a partir do olhar sob o funcionamento de um serviço residencial terapêutico constituído no município de Niterói. A análise buscou conhecer se o Serviço Residencial Terapêutico proporciona efetivamente um espaço de moradia adequado para essas pessoas, como preconizado pela Portaria/GM nº106 de 11 de fevereiro de 2000. O estudo utilizou a metodologia qualitativa por possibilitar a descrição e explicação do cotidiano, nas situações sociais vividas, como forma de apreender os processos sociais presentes e as sequências de acontecimentos em que ocorrem a experiência humana, condutas e significados atribuídos dentro do seu cenário social. Trabalhamos com questionário e entrevista para visibilizar essa proposta, e indicamos também caminhos de intervenção do Serviço Social no processo de Reabilitação Psicossocial.
 Por : Patrícia Lima
   Gostaria de prestar minha homenagem à  grande de amiga que acaba de concluir seu trabalho de conclusão de curso pela UFF. Ex estagiária do Hospital de Jururjuba, militante e trabalhadora da Saúde Mental em Niterói, desde 2010 vem se destacando com seu trabalho junto à rede. Sua trajetória singular foi um exemplo da atuação de um Assistente Social inserido na saúde mental. Crítica , Criativa e Competente soube manter o foco na questão social sem perder de vista o "sujeito" e as implicações da psicose. Incansavelmente seus trabalhos foram surtindo efeito desde o inicío com pacientes de longa  pemanência dentro hospital, passando pela reinserção destes nos serviços residenciais terpêuticos (obras do PAC-Prevetório), Centro de Convivência e Caps(adulto) centro de niterói,  em ambos trabalhando atualmente. Além disso, recentemente no carnaval 2013  fez um lindo trabalho junto à equipe no Bloco carnavalesco "loucos pela Vida".  Patrícia, sua monografia é o resultado de atuação prática, de alguém que se debruçou sobre a realidade e como  eu dizia desde o início:  " Vamos colocar a mão na massa"! A articulação entre teoria e prática sei que não foi objeto de  tanta angústia, como acontece com muitos alunos da graduação. Em breve , trarei mais postagens  da Patrícia a respeito desse assunto (tema da sua monografia). Parabéns, Paty! Te vejo na Residência multiprofissional!!(Marcelle,  Assistente Social (autora deste Blog)


Patrícia Ferreira de Lima

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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Rumos da saúde mental frente aos desafios do SUS

Como a conjuntura social e política, nas últimas décadas, afetou no desenvolvimento do campo da Reforma Psiquiátrica no Brasil? Esta foi a principal questão explorada na mesa-redonda Análise das Políticas Públicas da Saúde Mental no Brasil e sua contribuição na Saúde Coletiva no segundo dia (8/6) do III Congresso Brasileiro de Saúde Mental. Um dos expositores desta atividade foi o pesquisador da ENSP/Fiocruz Paulo Amarante, que destacou ser fundamental que a militância da saúde mental volte suas forças para fazer críticas atualizadas ao pensamento psiquiátrico e não fique apenas preocupada em abrir novos Centros de Atenção Psicossocial pelo país.
 
O psiquiatra italiano Ernesto Venturini foi o primeiro a se apresentar na mesa-redonda e levantou o impasse do tratamento das drogas, em especial do crack, hoje no Brasil. Para ele, há um movimento pela retomada do controle do comportamento do usuário, voltado para uma estrutura psiquiátrica fechada e indo contra as conquistas obtidas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. “Precisamos desenvolver uma série de avaliações científicas e críticas para comparar os custos diretos e indiretos dessas ações. O papel familiar é fundamental nesta luta contra as drogas, e precisamos também de pesquisas que possam mostrar o quanto este tipo de apoio reflete no bom tratamento do usuário”, ressaltou.
 

domingo, 18 de setembro de 2011

Desinstitucionalizar é ultrapassar fronteiras sanitárias: o desafio da intersetorialidade e do trabalho em rede

Nos últimos anos é visível como a reforma psiquiátrica vem avançando no país, desde discussões mais afinadas acerca dos fundamentos históricos e conceituais da proposta de reforma em curso, até a análise crítica de seus principais dispositivos de intervenção, das conquistas e dos impasses que trabalhadores, gestores, usuários e familiares têm enfrentado no sentido de fazer avançar processos de desinstitucionalização requeridos, mas não garantidos, pelo aparato jurídico/estrutural da legislação vigente.


É possível reconhecer também que há uma sensibilidade mais aguçada que nos leva a reconhecer que a reforma psiquiátrica está articulada à produção de novos modos de subjetivação, pressupondo práticas de cuidado diversas das predominantes no modelo asilar, bem como a ruptura da lógica tutelar a ele associada. Esse reconhecimento parte do pressuposto de que a loucura se encontra confinada em saberes e instituições psiquiátricas, e em função disso, as inúmeras possibilidades da loucura enquanto radicalidade da alteridade são reduzidas a um único significado: doença mental.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ah, eu tô maluco! O Hospital Psiquiátrico de Jurujuba não sairá do meu coração

Algumas histórias que já ouvimos sobre manicômios, psiquiatria, loucura caem no senso comum e muitas vezes reproduzimos coisas sem sabermos o seu real significado. Por exemplo, quem nunca brincou chamando a atenção de alguém: Fulano, você ta maluco? Ih! Vou te levar para o Jurujuba! Sicrano ta pinel! Eu vou te internar, heim? Pois é... são coisas que dizemos no nosso dia a dia sem jamais probletizarmos o que representou a exclusão total do louco em longas internações psiquiátricas.

Minha experiência singular enquanto estagiaria no Hospital psiquiátrico de Jurujuba em Niterói foi o que de melhor aconteceu em minha formação, pois lá aprendi ser uma pessoa impulsionada para a” prática”, ou seja, o trabalho em equipe, meu olhar suas sobre a ‘questão social’ e suas múltiplas demandas, a maneira que com que fui aprendendo lidar com aqueles sujeitos a partir das suas próprias histórias de vida fez-me ter outro olhar sobre a loucura e desconstruir todo aquele imaginário equivocado do perigo, da incapacidade de o sujeito realizar trocas sociais

sábado, 16 de abril de 2011

Desinstitucionalização no contexto neoliberal brasileiro

No final da década de 70, entra em crise mundial o modelo capitalista denominado de “Welfare State”. Suas principais características eram: o Estado protetor e indutor do crescimento econômico e, ao mesmo tempo, promotor do bem estar social. Também, era função do Estado a manutenção e o estímulo à criação de uma política de pleno emprego. É claro que havia diferenças entre os países que adotaram o Welfare State.

Com a crise deste modelo de desenvolvimento econômico ocorre um avanço do ideário neoliberal pelo mundo, baseado no fim do intervencionismo estatal na esfera econômica e social. Para o ideário neoliberal este intervencionismo estimulou a crise fiscal do estado. A proposta agora é a reconstituição do papel do mercado que deveria ser mais competivito e globalizado. No campo das políticas públicas, o Estado deverá estimular a redução dos serviços sociais públicos transferindo os serviços mais rentáveis ao mercado privado. Portanto, o neoliberalismo contribui para o crescimento da desigualde social e da exclusão em todos os países nos quais se instala, preservando as devidas proporções.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Os brasileiros se entopem de Rivotril

Venda de calmante tem alta de 36% em quatro anos no Brasil

Em 4 anos, salto foi de 36%; tranquilizante é o 2º mais vendido entre drogas com receita e só perde para anticoncepcional. Para psiquiatras, há um abuso na indicação do tarja preta clonazepam, que causa dependência e danos na memória.

A venda do ansiolítico clonazepam disparou nos últimos quatro anos no Brasil, fazendo do remédio o segundo mais comercializado- entre as vendas sob prescrição.

Entre 2006 e 2010, o número de caixinhas vendidas saltou de 13,57 milhões para 18,45 milhões, um aumento de 36%. O Rivotril domina esse mercado, respondendo por 77% das vendas em unidades (14 milhões por ano).

domingo, 16 de janeiro de 2011

Transição de governo e reforma psiquiátrica: nós, militantes antimanicomiais, precisamos acompanhar isso com muita atenção!

Gostaria de convidar a todos os companheiros que militam no campo antimanicomial e pela continuidade do processo de reforma psiquiátrica no Brasil, para acompanharem com atenção o processo de transição que está ocorrendo no novo governo Dilma, particulamente na montagem da nova gestão no Ministério da Saúde.

Como militante histórico destes movimentos, e mais recentemente, como um dos dois relatores da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial (IV CNSM-I), venho observando de perto e com cuidado os vários desafios e riscos políticos para nossas lutas. No ano passado, procurei sistematizar minha análise no pequeno livro “Desafios políticos da reforma psiquiátrica brasileira”, por mim organizado, e publicado pela Editora Hucitec, por ocasião da IV CNSM-I. Agora, continuo preocupado com o quadro que se descortina no novo governo, e gostaria de dividir estas preocupações com vocês, meus companheiros de luta.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

5 tratamentos psiquiátricos bizarros que caíram em desuso

Matéria da revista Super Interessante mostra  tratamentos psiquiátricos que caíram em desuso. 

Até que se entendessem as doenças mentais, muita coisa absurda já foi feita para dar um jeito nos loucos. De choque térmico por infecção pelo protozoário da malária (!) a perfurações no crânio (ambos tendo rendido o Prêmio Nobel a seus criadores!), listamos 5 “tratamentos” bizarros já usados para curar males psiquiátricos.

1 - Infecção po malária
2 - Terapia por choque insulínico
3 - Trepanação
4 - Lobotomia
5 - Mesmerismo

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

SAÚDE MENTAL: A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA E O ENCARGO SOBRE AS FAMÍLIAS


 É de conhecimento de todos que a área de Saúde Mental experimentou ao longo dos anos 80, e mais particularmente na entrada da década de 90, transformações substanciais com o avanço do movimento pela Reforma Psiquiátrica. Não apenas as discussões sobre o reconhecimento da cidadania do louco lograram aparição pública, deixando de ser um tema de interesse circunscrito a profissionais progressistas da área para envolver usuários, familiares dos serviços psiquiátricos e a população em geral, como também a implantação de programas e serviços de portas abertas (tais como CAPS, NAPS, hospitais-dias, enfermarias de curta internação) mostraram ser possível um outro tipo de intervenção sobre a loucura que não fosse estigmatizante, cronificante e, sobretudo, que não reafirmasse a exclusão social dos loucos.

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